Por Bruno Tolentino
O Cristo não é
um belo episódio
da história ou da fé:
nem o clavicórdio
nos dedos da luz,
nem o monocórdio
chamado da Cruz.
O crucificado
chamado Jesus
é o encontro marcado
entre a solidão
e o significado
do teu coração:
de um lado teu medo,
teu ódio, teu não;
de outro o segredo
com seu cofre aberto,
onde o teu degredo,
onde o teu deserto,
vão morrer, mas vão
morrer muito perto
da ressurreição.
As horas de Katharina. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. p. 180
FONTE: CASAL 20
Por Fábio Ribas
Para Lucila Ribas
Ainda que recostada sobre meu peito,
instaurada está a tua arcana distância:
a medida imensurável por excessiva!
Teu inaccessível pensamento,
o grito amortecido no silêncio:
a chave falsa que não te abre!
O manifesto que não me escreves,
a pedra em que lavro - sou ourives:
segredos revelados na noite escura!
O símbolo do corpo que não interpreto,
o código da tua alma que não te decifro:
as sombras claras nos meus olhos cegos!
O fugidio de tuas intenções anunciadas,
eternidade efêmera do segundo contido:
lírio branco que nasce e morre todo dia!
Incapaz de reter na rima a tez da tua vida,
descerra-se de todo meu poema o fracasso:
a condição secreta da minha palavra falida!
A pedra perfeita, da qual meu verso é arrancado,
é este teu mistério sincero que me deixa inquieto:
riso sério que mascara de teu furtivo o teu reverso!
FONTE: CASAL 20